Pequeno Tratado das Grandes Virtudes [André Comte-Sponville, 1995, Martins Fontes]

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Por definição, Deus é perfeito, é o bem absoluto, uno, infinito. Sendo ele a síntese da perfeição, ao criar alguma coisa, só pode criar algo menor que ele. Se criar algo igual a ele, só poderá criar nada, pois o bem é ele mesmo. Desse modo, Deus só pode criar menos bem que si mesmo. Deus, já sendo todo o bem, não pode aumentá-lo, então, só pode criar o mal. Comte-Sponville apresenta bela solução para esse impasse, referindo à Simone Weil: “O que é este mundo, pergunta ela, senão a ausência de Deus, sua retirada, sua distância (a que chamamos espaço), sua espera (a que chamamos tempo), sua marca (a que chamamos beleza)? Deus só pôde criar o mundo retirando-se dele (senão só haveria Deus); ou, se nele se mantém (de outro modo não haveria absolutamente nada, nem mesmo o mundo), é sob a forma de ausência, do segredo, da retirada, como a pegada deixada na areia, na maré baixa, por um passeante desaparecido, única a atestar, mas por um vazio, sua existência e seu desaparecimento…” Só este pensamento limpo e poético já nos antecipa a beleza do livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, de André Comte-Sponville. A atenção é justificada. O livro é uma preciosidade.

André Comte-Sponville é professor de filosofia e tem o título significativo de “mestre de conferências da Universidade de Paris I”. A proposta de seu Pequeno Tratado é ousada: selecionar um conjunto de virtudes (no caso, ele nos apresenta dezoito delas) e dissecá-las, definindo-as, distinguindo-as, interligando-as, nos fazendo navegar prazerosamente por um texto brilhante. A beleza do projeto se mostra, por exemplo, na escolha da primeira virtude a ser comentada: a Polidez. Comte-Sponville nos apresenta a Polidez como a raiz da moral. “A moral é a polidez da alma, um código de nossos deveres, um cerimonial do essencial.” Com eficiência, ele ensina como “parecer fazer o certo nos leva a efetivamente fazer o certo”. Conceitos como moral, ética, educação e, mesmo, etiqueta, ganham novos contornos com a visão da importância da modesta Polidez.

O autor avança com seu pensamento fluente e elegante por virtudes obviamente famosas como a Coragem e a Generosidade. Mas nos mostra o valor de uma menos votada: a Temperança. As religiões são colocadas em cheque quando afirma: “Nenhuma divindade, ninguém, a não ser um invejoso, pode ter prazer em minha impotência e a minha dor, ninguém toma por virtude nossas lágrimas, nosso temor e outros sinais de impotência interior.” Por sinal, Comte-Sponville é definitivo quando trata da Humildade, que ele apresenta como a mais religiosa das virtudes. Ele segue: “Como gostaríamos de nos ajoelhar nas igrejas! … Imaginar que Deus nos criou. Somos tão pouca coisa, tão fracos, tão miseráveis … A humanidade constitui uma criação tão irrisória: como imaginar que um Deus tenha querido isso? É assim que a humildade, nascida da religião, pode concluir o ateísmo. Crer em Deus seria pecado de orgulho.”

O amor é onde Comte-Sponville se estende mais. É a virtude das virtudes. Vejam a beleza: “As virtudes, quase todas, só se justificam por esta falta em nós do amor, e portanto se justificam. Elas não poderiam, porém, preencher esse vazio que as ilumina: aquilo mesmo que as torna necessárias impede que a creiamos suficientes.”

O Pequeno Tratado é imperdível. Talvez não estejamos com a cabeça pronta ou no humor para mergulhar nestas definições, mas, se estamos na hora certa, o prazer é inestimável. O livro nos mostra como simplificações são medíocres. Os sentimentos e ações que carregamos em nossas vidas, merecem uma atenção maior. O livro estende a discussão no tamanho certo. Mas simples que isso seria limitar a importância do assunto. Como mostra o autor: ”A Simplicidade é a virtude dos sábios.” Só os sábios conseguem reduzir o que dizer ao estritamente essencial. Comte-Sponville, com sua obra, chega perto de dominar esta virtude.

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3 comentários em “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes [André Comte-Sponville, 1995, Martins Fontes]”

  1. É o melhor livros que já li.
    Comecei a entender a vida de Cristo na terra, pois até agora são poucas pessoa que entenderam, até os bons religiosos que interpretam a seu modo e não a essência das virtudes humanas, relatadas na Biblia Sagrada, desde de Gênesis até o apocalipse.
    O conhecimento é de Deus, que está no ser humano e não do animal homem, isto está escrito no livro.
    A Causa que tudo Causa e que por Ela é Causada, foram esquecida por que chamamos de Raça Humana, onde um animal tem mais respeito pelo seu semelhante do que os Seres Humanos.
    É um livro que poucas pessoa sabem, pois tráz conhecimento além da razão humana.

  2. Dentre os diversos livros de Comte-Sponville, tive a oportunidade de ler O Espírito do Ateísmo. Em outro lugar já fiz dois comentários sobre o livro, onde o autor faz três indagações fundamentais: Pode-se viver sem religião? Deus existe? Que espiritualidade para os ateus? Nesse meu terceiro comentário quero falar sobre a questão da existência/inexistência de Deus, quando ele fala das Fraquezas das provas de Deus e destaca, primeiro, a ‘prova ontológica’, a chamada ‘prova a priori’. É naturalmente uma prova “que não toma nada da experiência”. A prova nada mais é que a convicção de que Deus existe. (p.78/79) Essa prova “é objeto de fé, não de saber”. (p.80)
    Já a ‘prova cosmológica’- ‘prova a posteriori’, “parte de um fato da experiência, que é a existência do mundo”; está baseada “no princípio da razão suficiente: nada existe ou é verdadeiro sem causa ou sem razão”. (p.81) O ser contingente, o Universo, precisa de um Ser necessário, Deus. “Mas o que nos prova que esse ser seja Deus, quero dizer, um Espírito, um Sujeito, uma Pessoa (ou três)?” (p.83)
    O autor continua e diz que este Ser, ao invés de ser um Deus, poderia ser “a Substância de Espinosa, a qual é absolutamente necessária, … eterna e infinita, mas imanente (seus efeitos estão nela) e desprovida … de todo e qualquer traço antropomórfico: ela não tem consciência, não tem vontade, não tem amor”. (p.83) Ou seja, é o mesmo Universo Eterno de que fala nosso cosmólogo Mario Novello. Não obstante, “Espinosa a chama de ‘Deus’, mas não é um Bom Deus, é tão somente a Natureza …”. (p.83)
    A ‘prova físico-teológica’ – a posteriori. “Parte-se da observação do mundo; constata-se nele uma ordem, uma complexidade insuperável; conclui-se daí que há uma inteligência ordenadora. É o que se chama hoje de teoria do ‘desenho inteligente’. O mundo seria … belo demais, harmonioso demais para que possa ser obra do acaso; … suporia uma inteligência criadora e ordenadora que só pode ser Deus”. (p.86) Comte-Sponville contrapõe-se então falando “das desordens, dos horrores, das disfunções” do mundo. “Em que isso prova que os tumores ou os cataclismos decorram de um desenho inteligente e benevolente?” (p.87) “…a natureza joga dados [é aleatória]: é por isso que ela não é Deus”. “Se o acaso (mutações) cria ordem (pela seleção natural) não há mais necessidade de um Deus para explicar o aparecimento do homem. A natureza basta”. (p.88) Dawkins diz que ao invés de pensarmos num Projetista, é muito mais lógico pensarmos que só estamos aqui porque o arranjo cosmológico aleatoriamente estabelecido permitiu que uma molécula pre-biológica se tornasse biológica.
    Se as ‘Provas’ de Deus são precárias, as Fraquezas da Sua experiência são ainda maiores, e nem vale a pena falar sobre estas.
    Falando da Explicação Incompreensível de Deus, Comte-Sponville diz: “Crer em Deus … equivale a querer explicar algo que não compreendemos – o mundo, a vida, a consciência – por meio de outra coisa que compreendemos menos ainda: Deus”. (p.98) “O universo é um mistério suficiente. Para que inventar outro (o Deus?]”. “Se o absoluto é inconhecível, o que nos permite pensar que ele é Deus?”. (p.101) “Se não se pode dizer nada de Deus, não se pode tampouco dizer que ele existe, nem que ele é Deus”. “Todos os nomes de Deus são humanos ou antropomórficos, mas um Deus sem nome não seria um Deus. … O silêncio não faz uma religião”. (p.104) Assis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)

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