A Ditadura Envergonhada [Elio Gaspari, 2002, Companhia das Letras]

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O jornalista Elio Gaspari obteve, em 1984, uma bolsa de estudos, com duração de três meses, no Wilson Center for International Scholars, com a qual pretendia escrever um ensaio sobre duas figuras importantes da ditadura militar de 1964: Gal. Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Com o andar da empreitada o jornalista percebeu que o tema teria que ter escopo e prazos maiores. O resultado foi um trabalho de dezoito anos em que se produziram cinco livros. Este primeiro volume da série, A Ditadura Envergonhada, cobre o golpe de 1964 e seus antecedentes, e vai até o Ato Institucional n o 5, em dezembro de 1968. Elio Gaspari, contou com oportunidades especiais para cumprir a tarefa. A amizade ou bom relacionamento que desenvolveu com figuras chaves desse período, tais como o General Geisel, Golbery e seu assistente Heitor Ferreira, lhe proporcionaram depoimentos preciosos e acesso a arquivos de inestimável valor. Gaspari, numa visita ao general Geisel, teria pedido para levar um livro emprestado. Voltou para devolver e pegou outro emprestado. E, assim, a conversa foi evoluindo e a amizade se construiu. Elio Gaspari também alcançou o status de confidente de Golbery e este, depois que a providência fez com que o mofo atacasse sua garagem, colocando em risco o material que arquivara, delegou a custódia de seu arquivo particular ao jornalista. O autor coloca o acesso a este material e a colaboração de Ernesto Geisel como fatores determinantes para seu livro existir. O resultado já nasce como obra básica para se entender um período que, conforme o tempo passa, mais desprezo desperta nos brasileiros.

A Ditadura Envergonhada e os outros volumes da coleção vêm se juntar a outros livros, já clássicos, que delineiam a cara do Brasil no século XX, tais como a biografia Chatô – O Rei do Brasil, de Fernando Moraes, e o sintético 1968, O Ano que Não Acabou, de Zuenir Ventura. Através do detalhamento dos fatos e da fluência jornalística de Gaspari, a natural repugnância que se desenvolveu a respeito desse período da história política brasileira se transforma em tema atraente para todo tipo de leitor. Os acontecimentos criam uma teia de interesse que enreda mesmo aqueles pouco antenados com a História do Brasil. O livro mostra os fatos e analisa os passos, da direita liderada pelos militares e das esquerdas tradicionalmente divididas. Tudo isso inserido no pano de fundo do cenário de mudanças aceleradas observadas no mundo nessa época. O que poderia ser um livro enfadonho sobre militares, em geral, pouco dotados intelectualmente, se torna uma excursão saborosa no detalhamento das motivações e oportunidades que teceram os fatos nos anos 60.

A obra de Elio Gaspari traça as linhas principais do movimento que deslanchou a ditadura e como esta evoluiu (ou involuiu, se quisermos fazer juízo de valor). De certa forma, como se assistiria muito mais tarde, quando todo o conservadorismo se juntou em torno de Fernando Collor para afastar o terror pela eleição de Lula, também houve, em 1964, ampla aliança contra o Comunismo, que ia da classe média brasileira ao governo americano, cada qual com suas motivações, variando da objetividade americana em barrar a influência de Cuba e União Soviética na América Latina, até a paranóia dos burgueses da Zona Sul de terem de dividir seus apartamentos com os pobres depois da implantação de um regime de “igualdade de classes”. Tradicionais conspiradores como Golbery e Geisel encontraram a oportunidade de agir na fraqueza do poder daquele início de 64. Aos bem intencionados, como o espartano Gal. Castello Branco, o golpe juntou expoentes de mediocridade como Costa e Silva, que proclamava não ler um livro havia 20 anos e resumir seu contato com as letras às revistas de palavras cruzadas.

O livro tem o mérito de apresentar como as Forças Armadas, depois de porem as mãos no poder, se deixaram dissolver moralmente através da adoção da tortura como ferramenta essencial para reprimir a oposição ao governo. O próprio Geisel, que no futuro teria que lutar contra a tortura dentro dos quartéis, chegou a reconhecer o poder da tortura como elemento de obtenção de informações. Dessa fraqueza moral de quem viria a ser presidente, à banalização de um procedimento que não encontrou oponentes dentro das forcas armadas, assim foi a trajetória da esculhambação de uma instituição que guardava alguma dignidade histórica. Da tolerância para com os casos de tortura permanentemente denunciados e sistematicamente negados, a prática desta veio para dentro dos quartéis. As poucas exceções, como o Capitão Sergio Macaco que se recusou a participar de ações terroristas propostas pelo General Burnier, que incluíam seqüestros e, até mesmo, a explosão do gasômetro, no Rio de Janeiro, mostram o quanto a conivência ou tolerância com a tortura foram a regra nas Forças Armadas nesta época. A propósito do sutil silêncio do Brigadeiro Eduardo Gomes sobre o desfecho do caso Para-Sar, que cortou a carreira de Capitão Sergio Macaco, resume Gaspari: “Se para ele o silêncio era uma conveniência, para oficiais biograficamente menos afortunados seria uma necessidade, quando não fosse convicção.”

O retrato que fica dos anos da ditadura em 1964 é a falta por parte dos golpistas de um projeto mínimo para o país. Prevaleceu a mediocridade de generais como Costa e Silva e Garrastazú Medici, o fã de futebol, ouvindo jogo no Maracanã com seu radinho de pilha. O resultado foi a bagunça nas tropas. Enquanto os milicos espertos viraram testas-de-ferro de empresas particulares ou assumiram diretorias em empresas estatais, os menos afortunados torturavam nos porões dos quartéis. À esquerda, em particular os jovens mais ativos, não restou alternativa que não pegar em armas. A pouca eficiência da direita e da esquerda mostra que não havia organização ou identidade de propósito dos dois lados. A esquerda, sempre dividida, buscando ações conduzidas por grupos isolados, perseguia a miragem da revolução popular. Os militares, preocupados em dividir o butim da revolução, perpetravam periódicas agressões ao poder judiciário. Na verdade, faltaram quadros dos dois lados. Elio Gaspari traça, para João Goulart e o marechal Castello Branco, perfis de personagens hesitantes nos momentos de decisão mais importantes.

O livro de Elio Gaspari mostra que a ditadura militar nos fez perder bom momento do bonde da História. Enquanto nos anos 60 as artes e os costumes assistiram no mundo a uma evolução acelerada, nossa Economia se enrijeceu na estatização, a cultura foi perseguida por ser perigosa para o regime militar e a evolução dos costumes foi reprimida por não se adaptarem à moral simplista dos militares. Gaspari resume sua visão militar: “Tratava-se de um mundo onde a igualdade racial era uma aspiração filosófica, o homossexualismo uma anomalia e a condição feminina, um estuário procriador, amoroso e doméstico.”

Para as novas gerações, que não se sentiram acuadas pelo estado policial repressor que regeu os mais de 20 anos de convivência do povo brasileiro com a ditadura militar, aquilo parece uma época nebulosa, da qual seus pais contam curiosos casos de aberrações praticadas contra os direitos humanos. Vale a pena saber sobre esta parte de nossa História. Os jovens que pegaram o fim da ditadura e foram expostos aos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC devem ler o livro para entenderem a desorganização institucional que o Brasil herdou da aventura militar. Para os mais velhos, o livro é excelente oportunidade de arrumar as idéias sobre o período.


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2 comentários em “A Ditadura Envergonhada [Elio Gaspari, 2002, Companhia das Letras]”

  1. recebido por e-mail:

    26.03.2003

    Título da mensagem recebida: “mais respeito ao movimento militar de 1964”

    Os comentários à obra literária são corretos, não concordo com essa coisa de “barra pesada do regime militar”. Foi uma época em que todos os brasileiros podiam sair às ruas tranquilamente, sem medo, sem opressão, economia estável. Realmente a vida por aqui nunca foi das melhores, mas, fico muito triste quando escuto alguém se referir aos tempos do regime militar como “barra pesada”. Barra pesada é isso que vivemos hoje, uma anarquia ridícula onde narcotraficantes realizam todas as suas fantasias e desejos e são bem-sucedidos, a população empobrecida e desempregada clamando por justiça social, crianças entregues à sorte nos sinais de trânsito. Naquela época as pessoas reivindicavam e eram ouvidas, apesar de toda rigidez, apesar de toda “arbitrariedade”, hoje não somos ouvidos e se falarmos muito seremos chamados de loucos. Os grandes brasileiros “perseguidos” e anistiados estão no poder há 18 anos, mais ou menos, sei lá, e transformaram o nosso querido BRASIL NUMA GRANDE PROSTITUIÇÃO. Corrupção sórdida por todos os lados, famílias desmoralizadas e etc… Não quero prolongar esse assunto , até porque estou com sono… Aliás, mais uma nota muito triste. Uma menina de 14 anos foi assassinada, hoje, por marginais, em pleno metrô da tijuca, Rio de Janeiro. Naquela época essas coisas não aconteciam…
    Carlos.

  2. recebido por e-mail:

    concordo em grau, número e gênero.

    o que os brasileiros vivenciaram nos anos da ditadura escancarada vai ser eternamente uma mancha negra na história do país, se naquela época não existia os crimes que existem hoje na sociedade é porque as próprias autoridades se encarregavam dos sequetros, estupros, assassinatos e priões arbitrárias. a ditadura foi uma “aventura” bem organizada segundo Maria Helena Moreira Alves, onde o aparato repressivo que serviria de alicerce de sustenção nos 20 anos subsequentes foi montado e ensinado anos antes do golpe com coordenação direta de Golbery e que contou com o apoio de todos os militares e o que se negasse estava sujeito a represálias. então é por essas e outras que não desejo aqueles anos mais nunca pra história do nosso país. Ariane (naninhathe19@hotmail.com)

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